A equipe econômica passou a reconhecer nos bastidores a possibilidade de decretação de estado de calamidade pública neste ano caso a pandemia do coronavírus siga em situação crítica nos próximos meses, com elevado número de mortes e medidas restritivas nas cidades.
A medida foi adotada em 2020 e viabilizou a liberação de gastos emergenciais do governo, que superou R$ 600 bilhões. Neste ano, porém, o Orçamento voltou a ser limitado, com autorização para gastos extraordinários pontuais.
Segundo a Folha de São Paulo, membros do Ministério da Economia chegaram a avaliar no início do ano que o repique da crise sanitária teria sido causado pelas celebrações de fim de ano e logo seria dissipado. Agora, afirmam que essa visão mudou diante da disparada do número de mortes, com vacinação lenta e novas variantes do vírus trazendo ainda mais incerteza ao cenário.
Um auxiliar do ministro Paulo Guedes (Economia) afirma, reservadamente, que as ações implementadas estão aquém da necessidade atual do país. Isso porque o governo decidiu travar a expansão de gastos, focando em um auxílio emergencial mais enxuto e em despesas para a aquisição de vacinas.
A decretação da calamidade em 2021 pode ser necessária, por exemplo, se o governo precisar renovar o auxílio emergencial por um período maior do que quatro meses, o que faria o custo da assistência superar o limite previsto hoje, de R$ 44 bilhões.
Em um ponto de preocupação para a equipe econômica, eventual pedido de calamidade neste ano não acionaria novas medidas de corte de gastos para compensação. Praticamente todos os gatilhos de ajuste fiscal previstos na PEC (Proposta de Emenda à Constituição) Emergencial, promulgada pelo Congresso, já estão ativados, com validade até o fim deste ano.
O cenário base do Ministério da Economia prevê o pagamento da assistência por quatro meses, enquanto a vacinação contra a Covid-19 avança e viabiliza a retomada da economia. Com isso, até o meio do ano, quando há previsão de encerramento dos repasses do auxílio, não seriam necessárias mais medidas emergenciais e o Orçamento retornaria à normalidade.
No entanto, até o momento, o país passa por um processo lento de vacinação e vê um número cada vez maior de cidades estabelecendo medidas de isolamento social na tentativa de frear a pandemia, que avança em ritmo acelerado. O panorama também cria incertezas sobre a retomada da atividade econômica.
Na última semana, Guedes pediu velocidade à vacinação e indicou não estar satisfeito com o ritmo do programa de imunização brasileiro. “Cinco por cento da população já foi vacinada, é muito pouco ainda, temos que melhorar muito, trabalhar muito”, disse.
No novo cenário, membros do Ministério da Economia afirmam que em caso de clara necessidade nos próximos meses, com a pandemia em situação crítica, será necessário decretar estado de calamidade. Com a medida, o governo ficaria autorizado a ampliar gastos sem ferir regras fiscais.
Para que haja a decretação, a iniciativa deve partir do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). O pedido do mandatário precisa ser aprovado pelos deputados e senadores.
A MP (medida provisória) que instituiu o auxílio emergencial define que o período de quatro meses do programa poderá ser prorrogado por ato do governo, sem a necessidade de nova avaliação do Congresso.
No entanto, não há espaço no Orçamento para que essa ampliação seja feita. Ao aprovarem a PEC Emergencial, os parlamentares definiram que o teto para o auxílio em 2021, sem comprometer regras fiscais, será de R$ 44 bilhões. Na MP que instituiu a nova rodada, o governo já liberou R$ 43 bilhões, praticamente esgotando o valor previsto para o ano.
Em uma possibilidade mais remota, seria possível fazer uma renovação residual da assistência ainda dentro dos R$ 44 bilhões caso o gasto com as quatro parcelas seja menor do que o estimado atualmente. No ano passado, por exemplo, o governo autorizou R$ 322 bilhões para o pagamento do auxílio, mas a despesa total no encerramento do ano foi bem menor, de R$ 293 bilhões.
A PEC Emergencial criou um protocolo para crises, destravando despesas emergenciais em momentos de calamidade ao mesmo tempo em que aciona gatilhos de compensação.
Porém, esses ajustes já estão ativos. Ao negociar o socorro a estados e municípios no ano passado, o governo conseguiu aprovar medidas de compensação que ficarão acionadas até o fim de 2021. As ações de ajuste já em vigor são praticamente as mesmas previstas agora na PEC Emergencial em caso de calamidade.
Já estão proibidos, por exemplo, reajustes de servidores, criação de cargos, concursos, ampliação de auxílios, criação de despesa obrigatória continuada e ampliação de gasto com reestruturação de carreiras.
Os únicos gatilhos previstos na PEC e que não estão ativados no momento são os que suspendem a criação e a expansão de incentivos tributários e de linhas de financiamento subsidiadas.
Se o governo optasse por implementar novas medidas de ajuste em tentativa de compensar gastos extras, seria necessário negociar e aprovar outra proposta no Congresso, o que geraria resistência política.
Em videoconferência promovida pela XP Investimentos na sexta-feira (19), o secretário do Tesouro, Bruno Funchal, foi perguntado sobre a possibilidade de decretação de calamidade caso seja necessário, mas não respondeu. O secretário se limitou a dizer que o governo está focado na execução da nova rodada do auxílio emergencial e do programa de vacinação.
Segundo Funchal, é preciso aguardar a aprovação do Orçamento de 2021, que segue em análise no Congresso, para depois avaliar o espaço fiscal disponível para a implementação de programas que geram custo ao governo. Entre as ações em compasso de espera, estão o programa de crédito a pequenas empresas e o benefício para complementar parcialmente o salário de trabalhadores com jornada e salário cortados ou contratos suspensos.
“É nessa linha que está sendo discutido, dentro na nossa limitação fiscal. Nosso espaço é extremamente limitado. O que tentamos fazer é dentro do Orçamento e dentro do teto [de gastos] para que não traga mais pressão fiscal”, disse.
A fala do secretário reflete a preocupação da pasta com os efeitos que um eventual excesso de gastos poderia gerar, com ampliação do endividamento público, elevação a inflação e das taxas de juros, o que também teria impacto negativo sobre o emprego.