A Lei de Segurança Nacional (LSN), aprovada durante a ditadura militar, pode ser revogada em breve. A Câmara dos Deputados trabalha a criação de uma norma que tipifica os crimes contra o estado democrático de direito, substituindo a LSN por uma lei mais condizente com os valores da democracia brasileira, retomada com a Constituição de 1988. A deputada federal Margarete Coelho (PP-PI), relatora do Projeto de Lei 6.764/2002, divulgou na última sexta-feira (30) um parecer preliminar, que deve ser votado na próxima quarta-feira (5).
O projeto normativo tem como fundamento a proposta enviada ao Congresso, em 2002, pelo então ministro da Justiça do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB): o jurista Miguel Reale Júnior. Parado há 19 anos, o texto foi retomado em meio a suspeitas de que a LSN esteja sendo usada para intimidar opositores do governo federal.
O texto atual da LSN, datado de 1983, prevê pena de até quatro anos de prisão para quem difamar o chefe do Executivo, atribuindo a ele fato “definido como crime ou ofensivo à reputação”. Com base nisso, o Ministério da Justiça ordenou recentemente que a Polícia Federal abrisse inquéritos contra lideranças de oposição ao governo Bolsonaro, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ex-ministro Ciro Gomes (PDT) e o ex-candidato à prefeitura de São Paulo Guilherme Boulos (PSOL).
O Bahia Notícias fez uma consulta a três deputados federais baianos, que demonstraram concordância com as mudanças propostas, revogando a Lei de Segurança Nacional e aprovando uma nova norma, que defenda o estado democrático de direito de arroubos autoritários.
O parlamentar baiano Cacá Leão (Progressistas) afirmou concordar inteiramente com o relatório da colega de partido. “A deputada Margarete é uma das melhores parlamentares e o relatório dela está muito bem feito”, resumiu o deputado federal.
Alice Portugal (PCdoB), por outro lado, respondeu com maior cautela e pontuou que o texto precisa passar por alguns ajustes. Entretanto, a parlamentar baiana também apoia a maior parte do parecer da relatora.
“O PCdoB tem uma opinião favorável ao texto apresentado pela deputada Margarete Coelho, mas é necessário ajustar essas coisas relacionadas à questão de possíveis mudanças na lei de liberdade de opinião”, afirmou Alice.
“Tem um trecho que fala dessa questão da fake news que fala: ‘publicar matérias que você sabe que não é verdade’, criminalizando isso. Ou seja, ficou impreciso. A pessoa que praticou sempre vai dizer que não sabia que era mentira. Então tem um ajuste de texto a ser realizado, mas nada intencional da relatora. Só uma questão de redação”, concluiu a deputada comunista.
O deputado Bacelar (Podemos) ressaltou o aspecto autoritário da Lei de Segurança Nacional e demonstrou concordância com a necessidade de revogá-la. Ao mesmo tempo, Bacelar também sinalizou que deve haver mudanças no texto na parte relativa às fake news, para que não seja podada a liberdade de expressão.
“A LSN é uma herança da ditadura que já deveria, há muito, ter sido revogada. A sociedade brasileira sabe que leis desse caráter não têm mais espaço em regime democrático. Entretanto, o relatório ainda tem diversos pontos a serem corrigidos, especialmente no que diz respeito a diversos temas delicados e complexos como liberdade de imprensa e a tipificação de diversos novos crimes, os chamados crimes contra o Estado Democrático de Direito”, comentou Bacelar.
“Apesar de não ser da área jurídica, entendo ser perigoso a transformação de simples atividades de organizações sociais, movimentos e mesmo de cidadãos em crimes. Também o artigo sobre comunicação enganosa em massa [fake news] deve ser muito mais debatido”, finalizou o deputado do Podemos.
OUTRAS MUDANÇAS
Além de revogar a antiga LSN, o texto pretende tipificar novos crimes, como o de insurreição, estabelecido como “impedir ou restringir, com emprego de grave ameaça ou violência, o exercício de qualquer dos poderes legitimamente constituídos ou do Ministério Público, ou tentar alterar a ordem constitucional democrática”, com pena prevista de quatro a oito anos de reclusão.
Passaria a ser crime ainda, de acordo com o texto do projeto, “impedir, com violência ou grave ameaça, o exercício livre e pacífico de manifestação de partidos ou grupos políticos, associativos, étnicos, raciais, culturais ou religiosos”, com pena de um a quatro anos de reclusão.
Por outro lado, não seria considerado crime qualquer “manifestação crítica aos poderes constituídos, nem a reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de passeatas, reuniões, greves, aglomerações ou qualquer outra forma de manifestação política com propósitos sociais”, estabelecido no texto do projeto como liberdade de opinião.
Caso o projeto seja aprovado pelo Congresso Nacional, dar um golpe de estado, rompendo com a democracia representativa estabelecida na Constituição, também passará a ser considerado crime, para espantar o fantasma do autoritarismo.