Mudar a Constituição para retirar as despesas com precatórios da regra do teto e, assim, abrir espaço para outros gastos colocaria em risco a “institucionalidade das contas públicas”, sinalizando a disposição do governo em “não honrar compromissos reais”.
A análise é da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado, em comentário divulgado nesta quinta-feira (5).
Para Felipe Salto e Daniel Couri, diretores da IFI que assinam a análise, o crescimento de R$ 34 bilhões no orçamento para sentenças judiciais em 2022 é expressivo, mas “o arcabouço fiscal não pode estar condicionado a eventos como este, de caráter previsível”.
O governo Jair Bolsonaro (sem partido) está em meio a uma nova tentativa de mexer no pagamento dos precatórios –em 2020, para bancar um novo programa social, a ideia já tinha sido discutida.
Agora, a proposta de mexer na Constituição vem no esteio do desejo do presidente de aumentar o valor do Bolsa Família e rebatizar o programa de transferência de renda. O ministro Paulo Guedes, da Economia, tem dito que o aumento no valor dos precatórios a serem pagos em 2022 “extrapolou qualquer possibilidade de reserva de nossa parte”.
Quase metade do aumento de despesas vem das ações judiciais do extinto Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério). Os estados foram à Justiça cobrar a União por erros nos repasses por meio do fundo de custeio da educação.
Somente com as ações encerradas no ano passado, o gasto com precatórios será de R$ 15,5 bilhões.
A IFI também vê na mudança da correção monetária dos precatórios uma das fontes para o aumento das despesas com sentenças.
“Até março de 2020, utilizava-se a TR [taxa referencial] e, a partir de decisão do STF [Supremo Tribunal Federal], obriga-se ao uso do IPCA-E [índice de inflação]. Entre 2009 e 2021, a diferença entre os dois indexadores é de 75 pontos percentuais”, escrevem Salto e Couri.
Advogados ouvidos pela reportagem dizem que a decisão do STF também liberou milhares de ações para julgamento. Como havia dúvida quanto à correção monetária, muitos processos ficaram parados na fase de cálculos, aguardando a Corte.
Para a IFI, mudanças nas regras de previdência e para benefícios sociais também podem ter levado a um número maior de questionamentos judiciais.
A instituição aponta ainda para uma “gestão possivelmente inadequada”, pelo Ministério da Economia, dos riscos fiscais ligados às ações em que a União é parte.
“Dado que a AGU realiza, por dever de ofício, o acompanhamento pormenorizado das demandas judiciais, prestando informações aos ministérios e órgãos interessados”, o governo sabe de antemão do risco de condenações.
Uma portaria de 2015 prevê que a AGU classifique o risco para os processos em que a União é parte e alerte os setores do Poder Executivo quando necessário. “O envio dos precatórios pelos tribunais ao Executivo é apenas a etapa final de processos que já são monitorados pelo órgão responsável pela defesa da União”, afirma a IFI no comentário.
A Instituição Fiscal considera a mudança negativa sob os aspectos fiscal e econômico.
“O desdobramento afetaria a percepção de risco, pelo mercado, podendo resvalar em precificação de juros mais altos nos títulos do governo em um contexto de déficits ainda expressivos e dívida pública acima de 84% do PIB.”
Os economistas afirmam que a regra do teto de gastos já tem uma válvula de escape, via créditos extraordinários, para abrigar despesas imprevisíveis, como as necessárias no enfrentamento da pandemia.
“Já um gasto previsível, como o de sentenças judiciais e precatórios, não deveria ser motivo para alterar as regras do jogo. Se o parcelamento cogitado avançar, o teto será formalmente preservado, com garantias constitucionais, mas a regra sofrerá um golpe importante.”