O presidente do Senado e do Congresso Nacional, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), devolveu ao governo a medida provisória editada por Jair Bolsonaro que limita a remoção de conteúdo publicado nas redes sociais. O anúncio foi feito durante a sessão do plenário desta terça-feira (14).
Trata-se de mais uma derrota imposta pelo Senado e por Pacheco a Bolsonaro. O senador mineiro já havia arquivado o pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), protocolado por Bolsonaro. E a Casa derrubou há duas semanas a minirreforma trabalhista proposta pelo governo.
O anúncio do presidente do Senado aconteceu horas após ter participado de cerimônia no Palácio do Planalto. Pacheco e outros 53 ministros de Estado, do STF e parlamentares foram agraciados com o prêmio Marechal Rondon, do Ministério das Comunicações.
Bolsonaro participou da cerimônia e, sem citar diretamente a MP, afirmou que fake news "faz parte da vida" e "não precisamos de regular isso aí".
Ao fazer o anúncio, Pacheco evitou comentários políticos a respeito da devolução. Apenas leu o ato jurídico que assina, no qual afirma que a MP promovia "alterações inopinadas ao Marco Civil da Internet" e gerava "considerável insegurança jurídica".
Ele também lembrou que o assunto tratado na MP já é discutido no projeto de lei sobre fake news, aprovado pelo Senado em 2020 e atualmente em tramitação na Câmara. Assim, de acordo com o presidente do Senado, a edição da medida "revela a manifesta tentativa de suplantar o desenvolvimento do devido processo legislativo".
"Nesse caracterizado cenário, a mera tramitação da medida provisória nº 1.068 de 2021 já constitui fator de abalo ao desempenho do mister constitucional do Congresso Nacional", disse Pacheco.
O presidente do Senado ainda citou as recentes manifestações do procurador-geral da República, Augusto Aras, e da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) contra a MP e destacou que cabe ao presidente do Congresso decidir sobre "medidas provisórias em situações que revelem um exercício abusivo da competência presidencial, capaz de atingir o núcleo do arranjo institucional formulado pela Constituição Federal".
"O conteúdo normativo veiculado na medida provisória nº 1.068, de 2021, disciplina, com detalhes, questões relativas ao exercício de direitos políticos, à liberdade de expressão, comunicação e manifestação de pensamento, matérias absolutamente vedadas de regramento por meio do instrumento da Medida Provisória", reiterou.
O anúncio de Pacheco angariou grande apoio entre os senadores, que pediram a palavra para cumprimentá-lo. O líder da oposição, Randolfe Rodrigues (Rede-AP), afirmou que a medida provisória representava a prática de Bolsonaro de "legislar em causa própria e em benefício de seus apoiadores".
Antonio Anastasia (PSD-MG) disse que devolver uma medida provisória "não é uma decisão singela", mas reforçou que a medida era "notoriamente inconstitucional", por não ser assunto passível de ser alvo de medida provisória.
Inicialmente, Pacheco havia indicado que decidiria na semana passada, mas resolveu adiar seu veredicto. Ele teria pedido uma segunda análise mais robusta da Advocacia do Senado para evitar questionamentos.
Além disso, a nota retórica divulgada por Bolsonaro na última quinta-feira (9) teve um impacto importante. Aliados avaliavam que seria hora de aguardar a devolução, por se tratar de um momento em que o presidente sinalizava para a diminuição da tensão entre os Poderes.
Um interlocutor de Pacheco chegou a sugerir que ele aguardasse uma decisão do STF, após o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestar pela suspensão da medida provisória.
Pacheco, no entanto, teria avaliado que a manifestação do PGR fortalecia a tendência de que o texto deveria ser devolvido, praticamente eliminando qualquer possibilidade de o gesto ser visto como político e contra o Planalto.
Assinada por Bolsonaro na véspera dos atos de raiz golpista que ocorreram no feriado do 7 de Setembro, a MP alterava o Marco Civil da Internet para impedir que as redes sociais decidam sobre a exclusão de contas ou perfis apenas com base nas próprias políticas de uso.
O texto foi publicado em uma edição extra do Diário Oficial da União e criticado por parlamentares e por organizações da sociedade civil.
Ao se manifestar em uma ação de partidos políticos que contestavam a MP, Aras pediu ao STF a suspensão da medida provisória.
“A alteração legal repentina do Marco Civil da Internet", disse Aras, "com prazo exíguo para adaptação, e previsão de imediata responsabilização pelo descumprimento de seus termos geram insegurança jurídica para as empresas e provedores envolvidos, mormente em matéria com tanta evidência para o convívio social nos dias atuais".
Aras defendeu que fossem mantidas as disposições que possibilitam a moderação dos provedores do modo como estabelecido na Lei do Marco Civil da Internet, enquanto não fossem debatidas pelo Legislativo as inovações promovidas pela MP de Bolsonaro.
O chefe do Ministério Público destacou que o Marco Civil, alvo de alterações implementadas pela medida provisória, é dotado de mecanismos direcionados a evitar atuação abusiva de provedores.
A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) também defendeu a devolução da MP. A entidade enviou um parecer jurídico ao Senado e ingressou com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF.
A ordem afirma que a medida criava obstáculos à retirada de postagens com notícias falsas e discurso de ódio nas redes sociais e as contas ligadas a esses conteúdos. Além disso, o pedido de inconstitucionalidade afirmava que a MP violava as liberdades de expressão e informação e a livre iniciativa e a livre concorrência.
Pouco depois do anúncio de Pacheco, a ministra Rosa Weber, do STF, concedeu liminar para sustar os efeitos da MP. A magistrada é relatora de uma série de ações de partidos políticos que contestam o texto.
“Defiro o pedido de medida cautelar para suspender, na íntegra, a eficácia da MP”, decidiu a ministra, que pediu ao presidente do Supremo, Luiz Fux, o envio da matéria para sessão virtual extraordinária do STF. Com a decisão de Pacheco, no entanto, as ações devem perder objeto.
Rosa destacou que a matéria, considerada por ela de "elevadíssima complexidade", deve ser discutida no Legislativo, “o locus adequado para discussão, elaboração e desenvolvimento”.
"A propagação de fake news, de discursos de ódio, de ataques às instituições e à própria democracia, bem como a regulamentação da retirada de conteúdos de redes sociais consubstanciam um dos maiores desafios contemporâneos à conformação dos direitos fundamentais“, afirmou.
Desde o início do ano, o governo discute formas de engessar a atuação de empresas como YouTube, Twitter, Facebook e Instagram. Em maio, uma minuta de decreto, tido como ilegal e inconstitucional por advogados consultados pela Folha de S.Paulo, chegou a ser debatido pelo Ministério das Comunicações. A leitura do governo era que o texto deveria ser feito por instrumento legal mais rígido, como a MP.
A Secretaria de Cultura, comandada pelo ator Mario Frias, membro da chamada ala ideológica do governo, encabeçou a elaboração da medida publicada na semana passada.
O texto previa, entre outros pontos, a exigência de "justa causa e de motivação" para excluir conteúdos, além de cancelar ou suspender as funcionalidades das contas ou perfis mantidos nas redes sociais.
"A medida busca estabelecer balizas para que só provedores de redes sociais de amplo alcance, com mais de 10 milhões de usuários no Brasil, possam realizar a moderação do conteúdo de suas redes sociais de modo que não implique em indevido cerceamento dos direitos e garantias fundamentais dos cidadãos brasileiros", afirmou o governo em comunicado
A MP era ainda um aceno à base do presidente. Publicações de Bolsonaro e de seus apoiadores foram excluídas das redes sociais durante a pandemia da Covid-19 por desinformar sobre a doença. Em abril deste ano, o Twitter colocou um aviso de publicação “enganosa” em crítica do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente, ao isolamento social.