Um grupo de intelectuais e ativistas nicaraguenses que vivem no Brasil enviou uma carta ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e à presidente do PT, Gleisi Hoffmann, manifestando “surpresa, frustração e indignação” em relação a uma nota do partido que celebrou a vitória do ditador Daniel Ortega em eleições de fachada no país centro-americano.
Na carta aberta, eles afirmam que o partido está sendo conivente com a repressão de Ortega à população, que já deixou mais de 300 mortos, milhares de feridos e ao menos 140 mil exilados.
“Com essa postura, o PT faz vista grossa a inúmeras reclamações de instâncias democráticas e redes de organizações de direitos humanos, que em diversas ocasiões já questionaram e denunciaram a escalada autoritária de Ortega e a ilegitimidade do recém-encerrado processo de votação”, diz o texto.
No último domingo (7), Ortega disputou o comando do país contra cinco outros candidatos —todos parte do teatro do pleito de fachada, já que são aliados do governo. Nos últimos seis meses, o regime prendeu outros sete postulantes de oposição, acusados de lavagem de dinheiro e traição à pátria. O pleito também não contou com observadores internacionais, vetados pelo ditador.
Na segunda-feira (8), o PT divulgou uma nota classificando a eleição como “uma grande manifestação popular e democrática” e dizendo que o resultado confirma “o apoio da população a um projeto político que tem como principal objetivo a construção de um país socialmente justo e igualitário”.
Nesta quarta-feira (10), Gleisi publicou um tuíte no qual afirma que a nota não foi submetida à direção partidária. Ela, porém, não condena o que está escrito no texto divulgado, afirmando apenas que a posição da legenda em relação a qualquer país é a “defesa da autodeterminação dos povos, contra interferência externa e respeito à democracia, por parte de governo e oposição” e que a prioridade é debater o Brasil.
O grupo que escreveu a carta assina como Coletivo de Nicaraguenses no Brasil e é formado por cerca de 15 imigrantes, que atuam como professores universitários, pesquisadores e “militantes do campo progressista latino-americano”, em sua própria definição. Eles afirmam que optaram por não assinar seus nomes por temores de que familiares que continuam na Nicarágua sofram retaliações —algo que já aconteceu com alguns deles.
O coletivo diz que há mais de três anos vem tentando dialogar com a direção do PT, sem sucesso.
“Não apenas o partido tem se fechado a dialogar com os ativistas, líderes de movimentos sociais e intelectuais nicaraguenses no Brasil como, numa ação sem precedentes, resolveu ficar calado a uma carta que organizações de mães de presos políticos enviaram ao ex-presidente Lula em setembro de 2021, apelando a sua sensibilidade, histórico de luta e vocação democrática”, diz o texto.
“A onda repressiva do nosso país interroga à esquerda brasileira sobre a existência de limites práticos na defesa dos direitos humanos no contexto de práticas autoritárias, mas interroga principalmente se tudo é permitido quando essas práticas são realizadas em nome de um suposto campo anti-imperialista”, diz a carta.
Para um dos membros do coletivo, Humberto Meza, doutor em ciência política pela Unicamp e pesquisador na UFRJ, a nota do PT contradiz a história do partido.
“O PT tem histórico de presos políticos na ditadura. O próprio Lula foi preso recentemente em um processo questionado. Isso é o que está acontecendo hoje na Nicarágua. O PT não pode ser acrítico em relação a um governo que vai na contramão de uma esquerda democrática”, afirma.