Anunciadas como prioridades da equipe econômica para 2021, as reformas administrativa e tributária não devem sair do papel neste ano por falta de empenho do governo de Jair Bolsonaro e pela antecipação da disputa eleitoral, na avaliação de aliados do Planalto. As duas reformas são frequentemente citadas como fundamentais para melhorar a situação fiscal do país e abrir espaço nas contas públicas para ampliar os investimentos.
No entanto, erros na negociação política de ambas praticamente inviabilizaram as mudanças até o final do governo --a própria cúpula do Congresso admite publicamente que a janela de aprovação de matérias controversas terminava agora em novembro.
Diante da dificuldade em destravar essa agenda, Bolsonaro já admitiu que, caso não sejam aprovadas até dezembro, as reformas tributária e administrativa não avançarão em 2022, quando o país passará por eleições.
"Essas reformas têm que acontecer no primeiro ano de cada governo. Já estamos praticamente terminando o terceiro ano [de governo]. Se não aprovar neste ano, no ano que vem pode esquecer", disse o presidente no fim de outubro.
A janela para o ministro Paulo Guedes (Economia) conseguir concluir o plano das reformas é curta. O apoio político para as propostas se minguará no próximo ano, quando Bolsonaro pretende tentar a reeleição.
Aliados de Guedes dizem que a prioridade do ministro nos últimos meses tem sido encontrar uma solução para o Orçamento de 2022, pressionado pelo aumento de despesas obrigatórias e sentenças judiciais (precatórios).
Além disso, a equipe econômica participa da força-tarefa do governo para conseguir que as contas do próximo ano incluam demandas de Bolsonaro, como o fortalecimento dos gastos na área social (Auxílio Brasil) e medidas que atendam a base eleitoral do presidente (auxílio financeiro a caminhoneiros).
Sem o esforço do Palácio do Planalto, a agenda reformista segue sem perspectiva de votação no Congresso.
Entregue em julho de 2020, a primeira fase da reforma tributária de Guedes até hoje não avançou na Câmara, onde começou a tramitar. O projeto que unifica PIS e Cofins em um novo tributo (a CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços) nem sequer tem relatório.
Houve um esforço de governistas para tentar votar a proposta ainda em julho. Mas, por falta de consenso e pressão de empresários, o projeto travou.
"Estamos nos reunindo ainda com os setores e com a Receita [Federal] e vamos começar a elaborar o relatório", disse o relator da proposta, deputado Luiz Carlos Motta (PL-SP).
A Câmara também discutia uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que previa juntar impostos federais, estaduais e municipais sobre o consumo em um único tributo. O governo e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), atuaram para enterrar essa proposta.
Em troca, tentaram emplacar uma reforma fatiada, como defende Guedes. Mas o primeiro pilar segue empacado.
O governo propôs fundir PIS e Cofins na CBS, com alíquota de 12%. O objetivo principal mencionado pelo governo era simplificar a legislação.
De acordo com a Receita Federal, os impostos hoje são cumulativos ao longo da cadeia de produção e são variadas e subjetivas as regras sobre como descontar o valor já pago sobre outras etapas.
Mais de 70 mil processos na Receita e no Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais) questionam essas cobranças.
Por outro lado, setores como o de serviços reclamam da alíquota proposta dizendo que haveria aumento de carga tributária. Diante das críticas, Guedes já sinalizou uma alíquota mais baixa.
O governo conseguiu aprovar um outro pilar da reforma tributária --as mudanças no IR (Imposto de Renda).
Mas o Senado caminha para engavetar a proposta ou desfigurá-la, e tem resistido à ofensiva de Lira para tentar emplacar o texto que, segundo o presidente da Câmara, é crucial para tornar permanente o programa de transferência de renda que vai substituir o Bolsa Família, o Auxílio Brasil.
Já a reforma administrativa, enviada pelo governo em setembro de 2020, sempre foi vista como uma das mais difíceis de serem aprovadas por causa do forte lobby dos funcionários públicos no Congresso.
Para diminuir a resistência, o presidente da Câmara desde o início adotou discurso de que as mudanças buscavam otimizar o serviço público e que não alteravam direitos adquiridos, só valendo para novos servidores. Ainda assim, o texto travou.
A PEC (proposta de emenda à Constituição) foi aprovada na comissão especial na madrugada de 24 de setembro. Para que a proposta avançasse, partidos da base mudaram a composição do colegiado para reverter uma derrota --7 dos 8 deputados do Novo foram incluídos no grupo, entre titulares e suplentes.
Por isso, a aprovação por 28 a 18 foi considerada por muitos como artificial, demonstrando a dificuldade que a proposta enfrentaria no plenário.
O próprio Lira, em discursos recentes, deixou claro que havia pouco esforço do governo para aprovar a PEC impopular.
"Eu defendi e defendo a reforma administrativa. Ela está parada sem vir ao plenário por falta de apoio popular. Por falta de apoio de quem defende um estado mais leve. Por falta de mobilização também do governo, coloco isso claramente, ele não tem interesse nessa situação", disse em entrevista à emissora CNN.
Para o presidente da frente parlamentar Servir Brasil, deputado professor Israel Batista (PV-DF), será difícil o governo conseguir retomar a tramitação da PEC.
"Acho que não conseguem reverter, porque a vitória na comissão especial teve gosto de derrota. Eles venceram por margem pequena, levando-se em consideração que 7 dos 8 membros foram colocados de última hora", afirmou.
O deputado disse que a mobilização contra a PEC foi pequena enquanto a tramitação se dava na comissão especial. "Depois, porém, teve injeção de ânimo, mobilização mais forte nas redes, nas ruas. É difícil o governo conseguir ressuscitar essa PEC", disse.
ENTENDA AS REFORMAS
ADMINISTRATIVA
Principais Pontos:
Previsão de estabilidade a todos os servidores, ainda que com possibilidade de demissão por desempenho insuficiente
Corte transitório de jornada de trabalho em até 25%, com redução de remuneração correspondente em caso de crise fiscal
Permissão para contratação temporária pelo prazo máximo de dez anos
Travas para "privilégios" e fim da aposentadoria compulsória como modalidade de punição
Tramitação:
Enviada pelo governo ao Congresso em setembro de 2020, foi aprovada em comissão especial em setembro deste ano, mas segue sem previsão de votação em plenário
TRIBUTÁRIA
Principais pontos:
Unifica PIS e Cofins em um novo tributo (a CBS, Contribuição sobre Bens e Serviços), com alíquota de 12%
Reformula as regras do Imposto de Renda
Tramitação:
A primeira etapa, entregue pelo governo em julho de 2020, não avançou na Câmara, nem sequer tem relatório. A reforma do Imposto de Renda foi aprovada pela Câmara, mas está parada no Senado