Nas encarniçadas prévias presidenciais do PSDB, o governador Eduardo Leite (RS) surgiu como um candidato competitivo ante o favoritismo do colega João Doria (SP) apostando na imagem de que seria mais aberto a alianças no campo da chamada terceira via.
Ele nega que isso seja uma fraqueza e reafirma sua crítica ao paulista com todas as letras. "É nítido que o governador João Doria coloca um projeto pessoal acima de um projeto partidário ou para o Brasil. Não tem como dizer que essa pretensão pessoal esteja devidamente medida."
As prévias ocorrem neste domingo (21), com a presença também do ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio. Aos 36 anos, Leite é o governador mais jovem do país.
Aliados de Leite estiveram no centro de uma polêmica na segunda (15), quando propuseram o adiamento do processo devido a dúvidas sobre a segurança do aplicativo de votação que antes defendiam. Isso foi percebido como golpe por Doria e Virgílio, e após muita discussão o processo, e o app, foram mantidos.
O gaúcho disse que não havia um "encaminhamento" de sua parte pelo adiamento, defendido por seus coordenadores ligados ao deputado Aécio Neves (MG) --visto como seu maior cabo eleitoral. Para adversários, o mineiro é alguém interessado em ver o PSDB sem candidato em 2022, o que ele nega.
Nesta entrevista, ele fala pela primeira vez de um episódio pouco conhecido: cerca de 40 minutos antes de Doria iniciar a vacinação contra a Covid-19 em São Paulo, numa corrida contra o governo Bolsonaro no dia 17 de janeiro, o gaúcho telefonou ao paulista a pedido do ministro Luiz Eduardo Ramos (então secretário de Governo).
O general queria que Doria adiasse o início do processo, para ajustá-lo com a vacinação federal, que Bolsonaro havia protelado e sabotado. Leite considera o episódio superado, mas admite que concordou no momento sobre a necessidade de uma coordenação nacional.
O governador diz que a existência de bolsonaristas ("Acho que são menos agora") no seu gabinete reflete um desejo da sociedade, ao mesmo tempo em que rejeita a associação de seus apoiadores com o presidente, que apoiou, como Doria, em 2018.
Leite defende que o combate à desigualdade seja a prioridade zero e custeado pela revisão de benefícios fiscais, na ordem de R$ 350 bilhões anuais e prioriza reformas administrativa e tributária sobre privatizações de gigantes como a Petrobras --para ele, o custo político não compensa as vantagens.
PERGUNTA - Se o sr. for eleito presidente, qual será a prioridade zero?
EDUARDO LEITE - O combate à desigualdade. Precisamos ter um senso de urgência. O país passa pela perda de seu bônus demográfico e vamos ficar dependentes de um aumento de produtividade com força de trabalho menor, com população envelhecendo.
Isso gera demandas de políticas públicas para atender esse novo perfil demográfico, que demandam capacidade fiscal, que depende da capacidade econômica. Se o Brasil continuar envelhecendo e empobrecendo, é capaz que cheguemos a um ponto de não retorno.
A geração de oportunidade é associação de programas de transferência de renda bem focalizados, com proteção da infância. O país tem 17 milhões de crianças abaixo de 14 anos, 42% dessa população, abaixo da linha de pobreza. Isso significa mais dificuldade de acesso a serviços básicos. Educação tem de ter um foco especial.
Para isso, é preciso espaço fiscal, algo no centro do debate hoje. De onde tirar o dinheiro?
EL - Com os dados de renda média, é possível precificar o quanto precisamos para tirar essas crianças da pobreza. Estima-se R$ 35 bilhões ao ano, mais um Bolsa Família. É muito dinheiro, mas num país com R$ 350 bilhões de benefícios fiscais em diversas frentes sem análise de eficiência econômica, só na União.
Por isso, as reformas, administrativa e tributária, são fundamentais. Elas não devem ser feitas pelo atual governo, que é frágil, sob risco de sair algo pior do que tem de ser feito. A reforma administrativa melhora a eficiência e tem de valer para todos os servidores, mesmo em atividade, em todos os Poderes. No Rio Grande do Sul, reduzimos em 2020 em R$ 700 milhões a folha de pagamento.
O sr. tem algum tabu com privatização, digamos Petrobras e Banco do Brasil?
EL - Não tenho sanha privatista, nem preconceito. A discussão tem de ser na ordem de prioridades. Uma privatização dessas consome muito capital político e pode entregar pouco. A privatização da Petrobras demanda forte esforço político e não muda tanto o país como uma reforma administrativa ou tributária.
Como o sr. avalia a campanha das prévias, com toda a animosidade?
EL - Toda reta final de campanha eleitoral envolve discussões mais acirradas. Ainda mais num processo inédito de prévias. Fizemos uma bonita campanha, que mobilizou o partido e estamos totalmente confiantes na vitória.
Acabadas as prévias, o sr. vê possibilidade de união no PSDB?
EL - Eu acredito que sim, é próprio do processo eleitoral esse enfrentamento. Naturalmente, numa disputa, você ressalta as diferenças, não as semelhanças. No Rio Grande do Sul, enfrentei o então governador, candidato à reeleição, do MDB, e hoje o MDB faz parte do meu governo e ajuda a governar. É possível reconstruir pontes.
E qual o papel que o partido deve ter em 2022? Há a leitura de que o sr. seria mais aberto a alianças, talvez sem tanto apetite pela cabeça da chapa. Por outro lado, Doria seria uma figura mais incisiva. Essa sua flexibilidade não enfraquece a posição do partido?
EL - Acho que não. Você tem uma eleição em que os candidatos nessa terceira via, centro democrático, são nomes que têm uma posição semelhante nas pesquisas. Uns têm mais rejeição, ninguém tem direito de se avocar a condição de ser o candidato agora, 11 meses antes das eleições.
É natural que agora todos se coloquem. Lá para abril, maio, junho do ano que vem haverá o afunilamento. Até lá, haverá a polarização dos dois líderes de pesquisas [Lula e Bolsonaro], mas na campanha haverá também polarização da rejeição a eles.
Eu faço política por sentido de missão, sou político e gosto. O que eu posso fazer para melhora a vida dos outros na política? Se eu tenho esse sentimento, eu não posso ir para uma eleição com ideia fixa para atender um projeto pessoal, por mais legítimo que seja.
Todo ser humano tem vaidade, político tem mais que os outros. É normal, mas não pode ser sobre vaidade, aspiração pessoal. As alternativas buscam a destruição. Você não pode ir para a eleição com seu projeto e fragmentando a terceira via.
Alguns aliados potenciais, como Gilberto Kassab e ACM Neto, fazem essa crítica [sobre projeto pessoal] a Doria. O sr. concorda?
EL - É nítido que o governador João Doria coloca um projeto pessoal acima de um projeto partidário ou para o Brasil. Não tem como dizer que essa pretensão pessoal esteja devidamente medida. Isso é percebido pelos outros partidos. Se há unanimidade, é porque algo há. As pessoas olham com certa desconfiança. Isso pode ter dado a ele muitos ganhos na vida empresarial, mas na política a lógica é diferente.
Como o sr. enxerga a volta de Sergio Moro ao xadrez? O sr. tem uma boa relação com o Podemos.
EL - Acho que é legítimo, temos de respeitar. Por outro lado, acaba fragilizando a narrativa da Lava Jato, dá espaço para contestação.
Mas quando ele aderiu ao governo Bolsonaro, já não ocorreu isso?
EL - Sim, mesmo que não tenha havido a condução política dos processos. Até porque temos de lembrar que houve confirmações de decisões em várias instâncias. Mas é ruim para o Judiciário. A agenda anticorrupção é importante, mas não é a única. Temos de manter um bom canal de diálogo para, ali na frente, vermos quem melhor pode representar esse centro democrático, para facilitar as condições de entendimento.
O sr. já pontuou a questão de seu apoio a Bolsonaro em 2018, dizendo que foi crítico e que se arrependeu. Mas e o comportamento dos grupos que o apoiam no PSDB, como o de Aécio Neves, que segue votando com o governo?
EL - É possível fazer reconsiderações. Houve pautas econômicas, houve o voto impresso, que considero equivocada. Mas era algo existente, anterior ao Bolsonaro, que contamina tudo. Talvez seja por um histórico de enfrentamento com o PT, então gera uma dificuldade de posicionamento político atual. Por isso precisamos superar a polarização.
O sr. não acha que a antipolítica e a polarização de 2018 decorreram justamente dessa polarização anterior, com Bolsonaro chegando ao poder com seu apoio, com o do Doria?
EL - Sim, e o PT insistiu no nós contra eles, ricos contra pobres. O Lula sempre quer dividir. Se estiver com eles, é bom. Isso gerou um terreno fértil para o bolsonarismo. Sempre se colocam como os donos da moralidade.
Quando o sr. se assumiu gay, as principais críticas vieram justamente da esquerda, que não gostou de ver alguém de perfil conservador nesse papel.
EL - Sim, eles viram uma apropriação da pauta.
Sua tomada de posição foi algo corajoso para o padrão brasileiro, mas também feito de forma bastante discreta. Houve resistências, mais episódios como aquele do pastor que criticou uma deputada catarinense que lhe deu apoio?
EL - Bom, não foi a posição da igreja, eu tenho boa relação com elas. As pesquisas indicam que a população acolhe muito mais do que rejeita. O mais importante é me mostrar por inteiro. Não quero ganhar o voto de ninguém por ser gay, nem acho correto perder voto por isso.
Quem tem o que esconder é quem tem mensalão, rachadinha. É claro que você tem de entender que a mudança comportamental, o avanço civilizatório vai se dar no tempo. Eu mesmo tive dificuldade para me aceitar, porque fui criado num contexto que buscou me fazer acreditar que isso era errado, quem dirá as outras pessoas.
Você tem de compreender isso e liderar com empatia, entendimento das dificuldades dos outros. Aos poucos avançamos uma consciência coletiva de respeito à diversidade, o que é uma pauta importante para retomar nossa autoestima. A diversidade do país é uma riqueza, inclusive econômica, pois surgem soluções mais criativas.
E os bolsonaristas no seu secretariado?
EL - Acho que são menos agora. A gente busca fazer a composição diante da escolha que a sociedade fez. Política é a arte de convivência. Eu governo para quem votou e não votou.
O sr. vê algo bom no governo federal?
EL - Difícil. Tenho uma boa relação com a Tereza Cristina [Agricultura]. Há uma agenda que era do Michel Temer na infraestrutura que segue corretamente. Mas o saldo é totalmente negativo, você observa a gestão desastrosa da pandemia, na economia durante a pandemia e depois dela. Só ver os indicadores todos, o risco de estagflação. O ambiente político e institucional afasta os investidores.
Um dos aspectos institucionais inusitados foi a volta dos militares como atores políticos. Como o sr. lidaria com isso na Presidência?
EL - Tenho muito respeito e boa relação. Mas não trabalho com a lógica de militares ocupando espaço na administração civil. Pode até haver quadros que possam dar contribuição, mas acho que temos quadros técnicos em outras frentes. A lógica política da gestão é diferente da militar.
Falando nessa relação com os militares, como foi o episódio em que o general Luiz Eduardo Ramos [então secretário de Governo] lhe pediu para ligar para o Doria para que ele não iniciasse a vacinação naquele domingo [17 de janeiro] em São Paulo?
EL - Houve uma conversa nessa direção, não foi um pedido de intervenção, mas um pedido de reflexão. Talvez tivesse sido positivo ao país que se fizesse um esforço de coordenação e engajamento, já que era uma questão nacional. Mas é um episódio superado.
RAIO-X
Eduardo Figueiredo Cavalheiro Leite nasceu em 1985 em Pelotas (RS). Filiou-se ao PSDB com 16 anos e, aos 19, era suplente de vereador. Elegeu-se para a Câmara de sua cidade para o mandato de 2009 a 2013, quando assumiu a prefeitura. Em 2018, ganhou a disputa para o governo estadual gaúcho.