Nos últimos anos, especialmente no atual Governo Federal, o Brasil tem demonstrado aptidão para novos investimentos em transporte e infraestrutura, mas ainda carece de projetos globais que contemplem todos os modais. No entanto, os atuais esforços já estão demonstrando alterações significativas na nossa logística. Os próximos passos do Governo serão definitivos para o nosso futuro enquanto potência mundial.
Ao verificar a nossa história, percebe-se que foram anos de investimentos em ferrovias no Brasil até início do século xx, especialmente nas faixas litorâneas das regiões Sudeste e Sul, acompanhando as tendências internacionais. Entretanto, a partir dos anos 1930, desde o governo Washington Luís, os rumos foram alterados, por meio da defesa de que "governar é abrir estradas". Em função disto, muito se investiu neste modal de transporte em detrimento do abandono de outros, como a ferrovia e a hidrovia.
A expansão agrícola dos anos 1970 em direção ao Centro-Oeste, Nordeste e Norte do Brasil não foi devidamente acompanhada por investimentos em logística e transporte para escoar os diversos commodities, como soja, milho, boi e café, produzidos. Há uma discrepância histórica no país entre o dinamismo do setor privado e a morosidade e burocracia do setor público, com fortes impactos na nossa infraestrutura, na competitividade e na economia.
Da porteira para dentro das propriedades os avanços tecnológicos e os incrementos nas produções foram enormes. No entanto, a logística, da porteira para fora, ficou estagnada, bastante dependente do transporte rodoviário, caro e com diversos prejuízos ambientais e humanos. No Brasil, os produtores de grãos gastam com transporte cerca de 4 vezes mais do que seus concorrentes norte-americanos ou argentinos, algo que prejudica a competitividade do país e os lucros com o negócio.
Segundo a Associação Nacional de Exportadores de Cereais - ANEC, o Brasil joga pelo ralo US$ 7,1 bilhões por ano em função do transporte de grãos para exportação, em maioria, pela matriz rodoviária. Apenas cerca de 11% dos grãos produzidos no Brasil são escoados pelas hidrovias.
Dentre outros, dois grandes gargalos no escoamento de grãos no Brasil das últimas décadas estão sendo enfrentados. O primeiro, consistia nos quilômetros sem asfalto da BR-163, importante ligação entre o Centro-Oeste e o porto de Miritituba, no Pará, integrante do sistema de transporte fluvial Arco do Norte, que leva cargas a outros portos próximos de Belém. Recentemente, a obra de pavimentação foi concluída, após décadas de espera.
Já o segundo diz respeito ao escoamento pelo Sistema Intermodal de Transporte Tietê-Paraná, com a dificuldade de embarque de grãos no porto de Pederneiras/SP em direção ao porto de Santos em decorrência de trecho da ferrovia ainda de bitola curta, com projeto de mudança de bitola ainda sem efetividade. A MRS garantiu investimentos na ferrovia e no porto de Pederneiras para aumentar a capacidade do escoamento, após prorrogação antecipada de 30 anos no prazo de concessão de ferrovias da Rumo, em inédito acordo com o Governo Federal e com impactos no transporte ferroviário do Brasil e da região em específico.
Hoje, as ferrovias já começam a atender as demandas do Centro-Oeste. Somente a Rumo transporta diariamente na Malha Norte o mesmo volume que transportaria 1.700 caminhões, de Mato Grosso para o porto de Santos. Mas, a grande expectativa dos produtores de commodities ainda é a finalização da ferrovia Norte-Sul, que deve começar a funcionar em meados de 2021, com mais de 30 anos de atraso.
Na mesma direção, recentemente, o Governo Federal assinou termo de parceria da Valec Engenharia, empresa pública vinculada ao Ministério da Infraestrutura, com o Exército Brasileiro para a construção de trecho da Ferrovia de Integração Oeste-Leste, que fará a ligação entre Figueirópolis/TO e futuro Porto Sul, em Ilhéus/BA e vai escoar a produção de grãos e de minérios de estados da região. A obra completa terá cerca de 1.527 quilômetros.
Restam ainda outros projetos em desenvolvimento para levar as ferrovias ao centro de produção de commodities em Mato Grosso: extensão da Ferronorte; Ferrovia de Integração do Centro-Oeste e a Ferrogrão.
Enquanto nos Estados Unidos e na Rússia as ferrovias transportam, respectivamente, 43% e 81% das cargas, e o transporte aquaviário 25% e 11%. No Brasil temos a seguinte distribuição das cargas entre os modais: 58% rodovia; 25% ferrovia, 17% pelas águas e apenas 1% pelas hidrovias fluviais, apesar da abundância de vias navegáveis. O Paraguai, fugindo da realidade da América Latina, investiu em hidrovia e modificou toda a sua economia, tornando-se o líder em navegação fluvial na região e terceiro no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da China.
Apesar desse cenário brasileiro da distribuição de cargas pelos modais de transporte, com custos elevados e danos ambientais e humanos, o transporte de cabotagem, pelo mar, tem crescido nos últimos anos. A predisposição para a cabotagem é clara no Brasil, considerando os quase 8 mil quilômetros de costa e que 80% da população vive em até 200 quilômetros do litoral. O Governo Federal declarou no início da atual gestão a expectativa de crescimento de 5% ao ano para o transporte de cabotagem no país.
Mesmo com os novos rumos nas ferrovias, o progresso nas hidrovias ainda é acanhado. Em décadas de abandono e escassez de investimentos, as hidrovias brasileiras deixaram de contribuir com a economia, por meio da redução de custos de fretes, de desgastes nas rodovias, da diminuição da produção de poluentes e da atenuação dos acidentes rodoviários. A abundância de vias naturalmente navegáveis no Brasil contrasta com a baixa utilização e, até, com a construção de inúmeras usinas hidrelétricas sem eclusas, que possibilita o tráfego de embarcações por meio da subida e da decida do nível do lago ao curso da água abaixo da barragem.
Hoje, são poucas as vias fluviais utilizadas para a navegação e o transporte de cargas e de pessoas no Brasil. Algumas hidrovias, já bastante utilizadas no passado, estão praticamente paradas ou com pouca movimentação como a Taguari-Guaíba, no Sul, e a São Francisco, outrora importante ligação entre o Centro-Oeste e o Nordeste brasileiros.
No Sistema Intermodal Tietê-Paraná, um comboio de 4 barcaças leva a mesma carga de 170 caminhões com carga média de 35 toneladas. Já no sistema fluvial Arco Norte existem comboios maiores, com até 25 barcaças, que carrega o equivalente a mais de 1000 caminhões. Nestas configurações promovem fretes mais baratos e a economia de motores, pneus, baterias, combustível, óleos, lubrificantes e vidas.
A subutilização dos potencias das vias navegáveis demonstra uma incapacidade de exploração do modal de transporte com menor custo: econômico; ambiental e social. O país perde muito dinheiro com isto.
Nesse sentido, as hidrovias do Arco Norte transportam grande volume de cargas, mas ainda operam bem abaixo das suas potencialidades, devido à desorganização na gestão das hidrovias, de problemas de transportes em outros modais, de segurança e nos portos. Boa parte das cargas transportadas utiliza portos privados e a gestão do sistema pelo poder público ainda é precária.
Na realidade, especialistas do setor costumam afirmar que existem na região tão somente vias navegáveis e portos privados, sem uma infraestrutura condizente com uma hidrovia de fato, como ocorre em outros países e na hidrovia Tietê-Paraná, por exemplo. A concretização da Ferrogrão e da concessão da BR-163 devem impulsionar o escoamento de grãos pelo sistema Arco Norte. Entretanto, a escassez de investimentos e a instabilidade regulatória do setor também consistem em precariedades.
A hidrovia Tietê-Paraná, que transportava cerca de 9 milhões de toneladas por ano em 2017 e prevê redução para 8 milhões em 2020, chegou a ficar parcialmente paralisada de maio de 2014 a janeiro de 2016, em decorrência de crise hídrica e da falta de gestão eficiente do uso das águas, perdendo confiabilidade e novos investimentos após esse episódio.
Mesmo quando estava em pleno funcionamento, a Tietê-Paraná enfrentou, por décadas, um problema no escoamento, com a dificuldade de embarque de grãos e a escassez de espaços nos vagões de trens entre o porto de Pederneiras e o de Santos, além de dificuldades de navegabilidade em diversos trechos, tanto devido ao excesso de dejetos como pelo baixo nível de água nos canais. Até hoje, as embarcações navegam vazias em direção ao Centro-Oeste, sem mercadorias ou outros produtos dos pólos industriais do Sudeste ou oriundos de importações.
Dentre outras, a obra de aprofundamento do canal de Avanhandava em trecho de 10 quilômetros, com forte impacto na garantia de navegabilidade em condições de escassez de água no rio Tietê, fator que já provocou a paralisação da navegação na área, está com as atividades suspensas. A atual fase da obra, que teve início em 2017, está paralisada há uns dois anos e tem previsão de retorno ainda para este ano. Existe a expectativa de que novos investimentos serão feitos na hidrovia Tietê-Paraná após a conclusão da obra de Avanhandava, prevista para 2023.
Outro fator limitador das hidrovias brasileiras, na hidrovia Paraná, em específico, além de portos e de trechos da via sem transportar cargas, diz respeito à inexistência de eclusa ou canal na barragem de Itaipu, que impossibilita a navegação tanto em direção a portos de países do Mercosul como no sentido contrário. A transposição desta barreira alteraria definitivamente a geopolítica do transporte na região e promoveria mudanças significativas no transporte de produtos agrícolas e manufaturados em todo o mundo.
Assim, os sistemas de transporte de cargas no Brasil ainda necessitam de inovações e de investimentos. As hidrovias, com baixo custo de transporte e potencialidades na redução de danos e agentes poluentes, precisam ser mais valorizadas e expandidas nos seus usos múltiplos.