Em meados de junho, quando a bolsa de valores brasileira já tinha consolidado sua saída do fundo poço e engrenado uma alta razoavelmente consistente, os memes do mercado financeiro começaram a se proliferar. "Por que eu não comprei mais?", diziam.
É uma sensação que faz parte de vários momentos da vida e que, no imprevisível mundo da renda variável, é especialmente recorrente: depois que algo acontece, vem aquela sensação de que era óbvio, acompanhada do arrependimento por não ter feito algo a respeito –mesmo que, na verdade, não houvesse como saber. Pode ser o caso de uma ação que dispara ou de outra que despenca, por exemplo.
No ano em que a pandemia de coronavírus destroçou bolsas de valores do mundo todo, a magnitude da recuperação que veio depois deixou muita gente com esse sentimento.
Do pior momento do Ibovespa, em 23 de março, até o último dia do ano, quando já estava praticamente de volta ao seu recorde histórico, a alta do índice de referência do mercado brasileiro foi de 87%. É como se um investimento de R$ 10.000 chegasse a R$ 18.700 em apenas nove meses.
Como a queda do começo do ano até ali tinha sido de inéditos 45%, foi o suficiente, ao fim do jogo, para basicamente zerar as perdas (o ganho do Ibovespa em 2020 foi de 3%). Quem, porém, teve a mistura de sorte com sangue frio para comprar mais ações naquele exato momento muito provavelmente saiu com ganhos astronômicos depois.
Dos 111 papéis mais negociadas da B3, só sete terminaram o ano em um valor menor do que o que registravam no famigerado 23 de março (Grupo SBF, Cogna, Cielo, Telefônica Brasil, Carrefour, Lojas Marisa e Lojas Americanas). Veja a lista completa de ações mais abaixo.
Nada menos do que 94 das 111 ações subiram mais de 10%, e 30 avançaram 100% ou mais. Ou seja, quem comprou uma das principais ações da B3 no pior pregão do ano saía, sem saber, com uma chance em quatro de pelo menos dobrar o valor que estava investindo.
A maior alta do período foi da petroleira PetroRio (PRIO3), que subiu 466% desde março: um investimento de R$ 10 mil nela chegaria ao fim de dezembro a R$ 56 mil. A siderúrgica CSN (CSNA3) vem na sequência, com 418% de retorno.
A maior alta de 2020, considerado o desempenho do ano completo, foi da própria CSN, mas em tamanho bem menor –126%–, já que a conta embute também as perdas que tinham vindo logo antes.
O “ranking da recuperação” inclui também retornos polpudos para empresas que ainda terminaram 2020 no vermelho, uma vez que tiveram algumas das piores quedas no auge da crise, mas que já subiram muito de lá para cá.
É o caso das companhias aéreas Gol (GOLL4) e Azul (AZUL4), que avançaram 243% e 185%, respectivamente, desde março –no total de 2020, ambas ainda acumulam perdas totais de 32%. A empresa de viagens CVC (CVCB3) ainda perde 50% no ano, mas de março para frente já subiu 166%.
O levantamento foi feito pela casa de pesquisas Nord Research e leva em consideração as variações de todos os papéis que fazem ou fizeram parte do IBrX 100 no ano. O índice reúne as 100 ações de maior movimentação na bolsa. Ele é um pouco mais amplo que o Ibovespa, que é composto pelas 77 maiores.
"A bolsa caiu cerca de 50% de uma vez, o que não era justificável", diz Rafael Ragazi, analista de ações da Nord. "A pandemia não é um evento que vai derrubar o lucro das empresas pela metade para sempre. Pode ter um impacto temporário, por um ou dois anos. Foi uma queda exagerada e era uma oportunidade clara."
Veja a seguir o desempenho das principais ações da bolsa em três momentos diferentes de 2020: a "fase da recuperação" (do pregão de 23 de março até o fechamento do ano), a "fase da queda" (do começo do ano até 23 de março, auge da pandemia), e o desempenho considerando o ano completo.